Há pouco tempo descrevemos o "vício da vitória" como um comportamento obsessivo que deve ser evitado a todo custo e que, por mais estranho que possa parecer, é muito diferente da legítima e desejável vontade de vencer.
Não vamos retomar aquela discussão agora, ainda que muito mais possa ser dito a seu respeito.
O que move este artigo foi um post publicado por Luigi Almeida (sigam o cara no twitter) em seu blog
Para quem não tiver paciência de ler o artigo dele (mais que recomendado), é possível resumí-lo com a seguinte frase, dita muita vezes pelo saudoso campeão brasileiro Ayrton Senna:
"Ser o segundo é ser o primeiro dos perdedores."
A frase em questão, embora muito dura, pode ser sim considerada verdadeira.
Em primeiro lugar, porque atletas de ponta, competitivos ao extremo e preparados para o triunfo, geralmente têm o primeiro lugar como a única posição aceitável ao final de qualquer disputa. E é bom que seja assim. Tal exigência demonstra a obstinação daqueles que desejam a vitória porque sabem o quanto trabalharam por ela e que esse resultado seria a única forma de se dormir tranquilo sem imaginar que todo o preparo, dedicação e privações, das mais diversas, foram em vão.
Em competições como os jogos olímpicos, nas quais há semi-finais e depois delas as disputas por medalhas, fica evidente para alguns que o bronze, no momento da conquista, vale mais que a prata. Isso porque enquanto aquele vem de uma vitória, esta seria um "prêmio de consolação" para quem chegou na final e perdeu!
Mas esta análise é meramente emocional e momentânea pois é óbvio que o atleta que conquistou o segundo lugar teve, ao menos naquela competição, muito mais competência e méritos do que os demais que não chegaram até a final. E muitos dos "prateados" só aceitam este fato tempos depois, quando se faz possível analisar o cenário racionalmente, livres do calor da disputa perdida.
O texto do nosso amigo Luigi batizado sugestivamente com "Perder é legal?" (de novo, leiam!) se vale do vice-campeonato de João Bauer no LAPT de São Paulo para defender que "dizer que segundo lugar é bom, é MUITA hipocrisia pro meu gosto." e ainda afirma a existência da "síndrome brasileira de aceitar o segundo lugar."
Não vamos fazer o contraponto com aquela velha retórica que envolve dizer que o copo está meio cheio ao invés de meio vazio porque isso é rasteiro demais. E nem vamos contrariar a evidente frustração de quem chega tão próximo de uma conquista, perde a decisão, o jogo mais importante do campeonato, e termina com a vice-colocação.
No país do futebol isto é mais do que compreendido. Afinal, quem aqui não prefere ver seu time campeão de dez em dez anos do que passar a vida inteira sendo vice?
Para alguns esportes realmente não há dor maior. Talvez no futebol brasileiro, pior do que ser vice só o rebaixamento (que o próprio Luigi já experimentou), mas rebaixamento não se compara a nada, é fracasso, fruto podre colhido com tristeza e, muitas vezes, uma lição inesquecível de que os resultados dependem do que se faz (ou não faz), durante a preparação e o planejamento necessários, para alcançá-los.
Por outro lado, o exemplo utilizado pelo texto de Luigi, envolve o poker e não há dúvida de que nesse esporte ser segundo se resume a ser o segundo dos vencedores. Simples assim.
Esta afirmação não decorre de conformismo ou da tal cultura brasileira de valorizar o segundo lugar (se é que isso de fato existe) mas um simples motivo, a vitória ou o sucesso no poker envolvem o que chamamos de longo prazo quando seus resultados podem ser considerados como tendência, preferencialmente positiva.
Além disso, títulos do seu time não constroem um bankroll, pelo contrário, os vencedores de torneios de futebol logo esquecerão da última conquista (o que inclui a torcida) e focarão no próximo campeonato. Mais que isso, o título passado não lhes garante nada, absolutamente nada para o seu futuro. Fica para a história, e só.
Dito isso, está claro que no poker, ao contrário do futebol, com a regularidade de resultados positivos, se constrói uma carreira de sucesso. Dessa forma é melhor ser segundo sempre do que ganhar um torneio e nunca mais ficar ITM na vida. Pura matemática. E para se manter vitorioso basta que se mantenha positivo. O seu ROI não mente.
Além disso, é inegável que em se tratando de torneios de poker a variância é um ponto a se considerar. Quando se fala em No Limit Hold´em então o negócio fica ainda mais complicado já que em qualquer momento o seu torneio vai por água abaixo, numa única mão em que nada dá certo. A esse respeito, a profissional brasileira Maridu, chegou a a definir o NL Hold´em como uma "besta faminta" por fichas, muitas vezes, suas fichas!
Não bastassem tais razões (acréscimo no bankroll, manter-se positivo e vencer a variância no longo prazo) ainda é possível se falar em metas graduais que devem ser estipuladas por jogadores nos mais diversos torneios de poker.
No online, em geral, a primeira meta é chegar no dinheiro e, depois do ITM, chegar à mesa final e, então, ser campeão! Isso sem dizer na meta que se observa durante todo o evento que é a de se manter na média de fichas (um tanto quanto óbvio já que com isso se garante o heads up, SEMPRE).
No live, basicamente não há diferença, com exceção de outras fases antes do ITM que se resumem a "passar para o dia seguinte" de preferência com um stack saudável.
Então, não há como negar que quando se fala em torneios de poker, muitas metas estão envolvidas, o que inclui a maior delas que é o título, mas um bom resultado (mesa final no Main Event do WSOP por exemplo) e até um segundo lugar em qualquer outro torneio, não representam derrotas definitivas ou o próprio fracasso.
Devemos concordar que em séries tradicionais de poker, perder o heads up implica na perda do tão sonhado bracelete de campeão, o que é sem dúvida um revés, mas não tira a importância ou os méritos do jogador que chegou à decisão. Muitos jogadores de poker, inclusive, por melhores que sejam, nunca vão decidir um título de qualquer evento do WSOP e tal fato não faz deles perdedores e nem fomenta o conformismo do velho jargão que diz que "o importante é competir".
Na realidade, quando se fala em poker, o importante é ser competitivo ou ser competente, ter nível técnico para se chegar longe e alcançar resultados merecidos, construídos por meio de anos de trabalho e nada mais do que frutos esperados de uma história escrita para ser fadada ao sucesso.
A partir de uma análise global de qualquer carreira no poker pode-se concluir que "perder não é ser perdedor" ao passo que ganhar não é ser vencedor.
Por isso, é muito importante reconhecer a diferença existente entre resultados isolados e uma tendência (positiva ou negativa) que servirá para definí-lo como lucrativo ou deficitário, shark ou fish, ganhador ou perdedor.
E no caso específico do segundo lugar de João Bauer no LAPT histórico do Brasil, mesmo com toda a frustração dos brasileiros (que não se compara à sentida pelo nosso representante), não é possível considerar sua colocação final uma derrota clássica ou definitiva, ainda mais se considerarmos a belíssima história de João no feltro, que reafirma sua habilidade já demonstrada por outros resultados e, muito mais que isso, prova que o estudo, a dedicação e a habilidade são preponderantes para o sucesso neste verdadeiro esporte mental.
Depois dessa longa dissertação a respeito das diferenças entre o poker e outros esportes e, especialmente, entre resultados isolados e sucesso ou fracasso, fica o alerta para que todos tenham em mente que, no poker, assim como em outras atividades, o "conjunto da obra" é o que faz de alguém um vitorioso ou um fracassado e, por isso, aprenda com seus erros e resultados negativos mas, em hipótese alguma, deixe de reconhecer suas vitórias e conquistas, por mais que, muitas vezes, até mesmo um vice-campeonato naquele grande torneio possa ter um sabor tão amargo.
Primeiro, obrigado pela referência.
Segundo, apenas complementando meu post, o importante é, sim, a lucratividade. Mas ninguém joga só pra lucrar, a gente joga porque quer ganhar.
Quanto a torneios, comemoro os ITMs, e acho que ITM é o primeiro objetivo, visto que no longo prazo é mais lucrativo.
Agora, depois que ficamos ITM, o foco se torna vencer. Usando SnG's full ring de $1+,2 como exemplo, se você ficar ITM 2 vezes em segundo lugar, você ganha $6. Se, ao contrário, você se arriscar mais e ficar em 1º e 3º, você ganha $7. E isso vale para qualquer torneio grande também. Multiplique por 2 a premiação do segundo lugar e verá que é menor que a soma do 1º e 3º.
Ou seja, ITM é importante para o longo prazo, porém, financeiramente falando, jogar pra ganhar é MUITO mais rentável.
Anyways, valeu.