Poker x Esporte: a realidade brasileira

Tudo bem que a International Mind Sports Association - IMSA reconheceu o poker como uma das modalidades que integra os chamados esportes da mente (ainda que no site deles até hoje não se veja nenhuma referência ao poker) mas, quando falamos em esporte, está claro que os "mentais" estão longe de serem considerados modalidades esportivas no sentido estrito.

Nada contra o pessoal do xadrez e damas, muito pelo contrário, tais jogos são excepcionais em diversos aspectos dentre os quais se destacam: a análise situacional, visão estratégica, raciocínio lógico, dentre outros "exercícios mentais". Por outro lado, em especial o xadrez, não é nada popular no Brasil e, inclusive até mesmo os profissionais dos tabuleiros são muito mal remunerados, o que trouxe muitos enxadristas talentosos para as mesas de poker onde, não à toa, a grande maioria se deu bem.

Reconhecemos, portanto, o valor do poker como atividade intelectual, "esporte mental" ou jogo de habilidade. Temos a certeza de que em nada se compara aos chamados "jogos de azar" vedados pela lei brasileira. E isto não é opinião nossa, é fato!

No entanto, apesar deste reconhecimento, não há dúvida de que nosso "joguinho" não alcançou o status de esporte no Brasil. E nem digam que é esporte sim só porque passa na ESPN, este argumento também é tão vazio quanto defender a legalidade do jogo com enfoque no seu caráter esportivo.

Por outro lado é inegável que a popularização do poker atingiu níveis inimagináveis há poucos anos e realmente tem sido feito um belo trabalho por todos os envolvidos na modalidade, sejam da mídia especializada, jogadores, dirigentes de entidades e todos os interessados que, a cada dia, aumentam a visibilidade desta prática que deve, o quanto antes, ser regulamentada no país.

A questão da classificação do poker como esporte, enquanto se tratar apenas de uma denominação, ou de um adjetivo aplicado ao jogo, não resolverá nada, absolutamente nada, em especial no que diz respeito à questão legal.

Isso porque, mesmo o fato de alguma atividade ser considerada e reconhecida esporte, não lhe confere legalidade automaticamente de forma a lhe defender de todo e qualquer atentado das autoridades. Para quem não acredita nisso, ou seja, pensa que só o fato de ser esporte já resolve problemas legais e de intolerância, experimente instalar um aro de basquete na sala de seu apartamento para uma disputa com os amigos em plena madrugada.

Por mais que o basquetebol seja um esporte reconhecido nem por isso seu despropositado jogo será considerado lícito e aceitável. (a mesma lei que fala dos jogos de azar, traz, em seu artigo 42 a perturbação do trabalho ou do sossego alheios como modalidade de contravenção penal).

Está certo que o exemplo acima é um tanto quanto exagerado, mas contém muito menos exagero do que a insistência de algumas pessoas em chamar poker de esporte com o claro (e até louvável) objetivo de defender a licitude dessa prática que a cada dia ganha mais adeptos no Brasil.

Sejamos honestos e realistas, uma coisa não tem nada a ver com a outra!

Dito isso, devemos reconhecer que o grande problema do poker se restringe à indefinição legal, há quem diga que torneio pode e cash não, justamente por entender que o poker é competição esportiva!

Neste caso o enquadramento do poker como esporte serve às autoridades que buscam coibir a sua prática, em especial quando se trata do cash game.

Imaginem só, defendemos que poker é um esporte e o delegado de polícia faz disso motivo para uma espalhafatosa ação policial em qualquer clube ou torneio para acabar com o cash.

Isso já aconteceu, mais de uma vez, e a desculpa é a interpretação absurda do art. 50, § 3º, "c" do Decreto-Lei 3.688/41 que diz:

"Consideram-se jogos de azar:
(...)
c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva."

Todos que entendem minimamente o mundo das apostas esportivas sabem que a alínea acima não deveria ser aplicada ao poker. O legislador do ano de 1941 desejava coibir as apostas em resultados de competições esportivas, assim como temos hoje em sites e bolsas de apostas em todo o mundo, sendo que tais apostas não integram a própria atividade como é o caso do poker mas restringem-se às ações "extrajogo" dos apostadores que investem em seus palpites. Não há dúvida de que esta interpretação está equivocada e incluir o poker neste dispositivo é um grande despropósito.

De acordo com a lei brasileira, temos o seguinte cenário:

Seriam jogos de azar (conforme o § 3º do Decreto-Lei 3.688/41):

"a) o jogo em que o ganho ou a perda dependam exclusiva ou principalmente da sorte;
b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas;
c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva."

E para que o poker se enquadrasse nesta categoria de contravenção penal, a única possibilidade seria inserí-lo na alínea "a" acima, ou seja, provar que neste jogo o fator sorte é o responsável predominante, ou exclusivo, para o sucesso do jogador.

Além disso, a lei não explica o que significa a expressão "ganho ou perda", ou seja, se isto se refere a uma só jogada ou à quantidade estatisticamente relevante quando o ganhador ou perdedor seria assim reconhecido no longo prazo que, como todos sabemos, é o que importa.

Não vamos nos estender aos aspectos legais já que o objetivo deste artigo é contestar a defesa do poker chamando-o simplesmente de esporte, como se isto fosse o bastante para regulamentar o jogo e fazer dele aceito em toda a sociedade.

Nosso objetivo aqui também não é criticar quem defende o poker como esporte, longe disso, mas abrir os olhos de quem faz desta defesa algo vazio e sem objetividade, apenas rotulando a prática com um qualificativo que é bem visto na sociedade como se isso bastasse para o sucesso de nossa luta.

Então, se sua vontade é transformar o poker num esporte brasileiro, faça a sua parte e comece agora. Ensine pelo menos uma pessoa a jogar, demonstre as belezas da modalidade e todos os atrativos dela.

Faça como fez o Bernardinho ou o Zé Roberto Guimarães que a partir de uma modalidade esportiva clássica mas totalmente sem apelo no Brasil ajudaram a construir a maior potência mundial do voleibol, em pouquíssimo tempo.

O poker, de fato não é um esporte nacional mas, considerando sua taxa de crescimento e os interesses que desperta, além do nível técnico atingido por muitos praticantes brasileiros, pode ser em breve muito mais popular no país e atingir o grande público e todas as classes sociais.

A conquista deste espaço pelo poker no Brasil e sua efetiva elevação à categoria de esporte, de forma natural e com o reconhecimento popular, sem a necessidade de se impor o rótulo que mais parece um argumento desesperado para a defesa da sua legalidade, deve ser consequência de ações positivas e muito trabalho que, diga-se, já são realizados.

Pois bem, se você se identifica com esta ideia, realmente deseja ver o poker cada vez mais popular e reconhecido como uma prática saudável, lícita e até mesmo uma modalidade esportiva, ajude o jogo na sua penetração em toda a sociedade, ensine amigos, parentes, promova home-games e faça deste "esporte mental" cada vez mais presente no cotidiano das pessoas que o cercam.

Não há problema algum em dizer que o poker é esporte, desde que este discurso seja acompanhado de ações efetivas em favor desta ideia.

Qualquer coisa diferente disso não passará de discurso vazio e argumentos meramente retóricos que, no fundo, não dirão nada e nem convencerão ninguém.

Ps: Tinha muito mais para escrever a respeito disso mas agora não vai dar porque tenho um heads-up para jogar com o meu avô.