O desabafo de um profissional

Brazil Poker Pro
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Matt_Matros.jpg Já falamos bastante sobre o colapso do poker online nos EUA, ao menos no que diz respeito aos gigantes do segmento, o pronunciamento oficial das autoridades, a liberação dos domínios para viabilizar os cashouts, o impacto no Brasil (especialmente positivo para os jogadores brasileiros) e também algumas matérias escritas por americanos contendo opiniões de quem vive de perto a realidade do país.

Mas isso não é o bastante.

Faltava conferir as impressões dos jogadores profissionais americanos, sem dúvida a classe mais afetada pela black friday.

E nesse sentido encontramos um verdadeiro desabafo, publicado no Washington Post, assinado pelo reconhecido jogador americano Matt Matros.

Depois que o Departamento de Justiça fechou o poker online, um professional defende seu jogo

Faço apostas por muito dinheiro sabendo que há uma grande chance de perder. Este é o meu trabalho. Para um jogador de poker profissional todo o risco está associado a uma recompensa e, algumas vezes, as jogadas mais arriscadas também são as mais lucrativas.

Sempre houve riscos no poker online mas isso não impediu que milhões de americanos se dedicassem a isso. Agora, os riscos calculados que assumíamos receberam fogo de encontro. No dia 15 de abril - a data que a comunidade de poker agora chama de Black Friday - O Departamento de Justiça indiciou os fundadores do Full Tilt, PokerStars e Absolute poker sob acusações de jogo ilegal, fraude e lavagem de dinheiro. Estes sites localizados fora dos EUA fecharam suas portas para os clientes americanos de forma que 95% do nosso mercado foi varrido do mapa.

Parece que parte da minha vida desapareceu. Quando ligo meu computador, onde estão as mesas de poker? Onde estão os dados apontando os padrões de aposta de meus adversários? Onde está o torneio que tinha $ 216 de buyin e $ 3 milhões garantidos em prêmios que eu deveria estar jogando? Onde estão minhas cartas?

Eu me apaixonei pelo poker no final dos anos 90, antes que fosse popular online. Quando cursava graduação em matemática na Universidade de Yale comecei a escalar o trecho mais íngreme da curva de aprendizado nos torneios de $ 20 realizados nos cassinos de Connecticut e também nos home games de limites baixos na região de Washington. Não perdia sequer uma oportunidade para discutir sobre o poker com quem dissesse que sabia o que estava fazendo. Levei anos para melhorar meu nível.

E foi o jogo pela internet que fez possível minha profissionalização. Os jogadores mais antigos do poker ao vivo jogavam cerca de 1500 mãos durante uma semana de trabalho de 40 horas. Os profissionais da internet podem facilmente jogar 10.000 mãos por semana graças à rapidez dos dealers virtuais e também pela possibilidade de se jogar mais de uma mesa, ou jogo, ao mesmo tempo. Os verdadeiros grinders - jogadores que não saem da frente do computador nem para ir ao banheiro - podem jogar 30.000 mãos, ou até mais, durante uma semana. E isso é o suficiente para que alguém habilidoso possa superar a variância e ganhar o suficiente para ter uma renda fixa.

Conforme minha carreira evoluiu, minha participação nas mesas online diminuiu. Eu ensinava poker. Eu escrevia sobre poker. Viajava para jogar em torneios de poker contra pessoas que eu podia ver ao vivo na mesa.

Os jogadores do online normalmente são mais bem preparados, então, quando eu entrava para jogar, era apenas para garantir que me mantinha afiado ou para entrar em torneios com enormes prêmios garantidos. Se eu precisasse, poderia voltar a grindar online para me manter. Graças ao Departamento de Justiça esta opção não existe mais. Até parece que eu fui desapropriado da minha formação universitária - como se minhas habilidades profissionais que desenvolvi durante toda minha vida adulta se tornassem inúteis repentinamente.

Não fui feito para encarar horas e horas num emprego normal. Passei três anos no mundo real como um engenheiro de softwares. Alguns dias, inseria "&," "$" e "*" em nossos programas para ver o que causava erros. O que eu queria mesmo era escrever ficção. A maioria das pessoas que tentam ser criativas tem que lutar para balancear sua arte com sua renda. Quando deixei meu emprego para ingressar no mestrado de arte na Universidade Sarah Lawrence em 2002, o poker resolveu este problema para mim, e assim foi desde então. Quando decidi terminar uma coleção de pequenas histórias não precisava parar de trabalhar para isso. Quando desejava tirar alguns meses para fazer um curta metragem, eu o fazia. E recentemente, quando decidi trabalhar cinco dias por semana num romance não precisava falar disso com meu chefe primeiro. O poker online pode ser a oportunidade de uma vida inteira para um empreendedor jovem e por isso muitos de nós no mundo do poker consideram a crusada do Departamento de Justiça contra o jogo tão esquisita.

"Você pode apostar online em corridas de cavalo" diz Vanessa Selbst, estudante da Yale Law School e vencendora do North American Poker Tour's - NAPT Mohegan Sun. Seu ponto de vista, por óbvio, é que o governo não possui reserva moral ou objeção ao jogo online. Com os operadores estrangeiros retirados do mercado pelo Procurador Geral Eric Holder, as empresas americanas - particularmente os cassinos - têm um nicho amplo e totalmente aberto para que lancem suas versões online de seus produtos. De um lado, a administração de Obama pode ter feito a regulamentação do poker online mais próxima. Mas será que, depois de tudo, eles não tentarão banir o jogo totalmente? "Eu não acho que isso se trata de proibição" diz Selbst "Trata-se de dinheiro."

Quaisquer sejam as motivações, nossos legisladores precisam defender o poker online. Onde quer que seja jogado, o poker é um jogo tipicamente Americano. Teve jogadores como Jim Bowie e Mark Twain, Harry Truman e Richard Nixon, Gabe Kaplan e Jennifer Tilly. Por que o poker não estaria tão enraizado na cultura Americana? Administrar a relação entre risco e recompense é o que faz uma sociedade capitalista funcionar.

O poker ensina lições de vida. Os melhors jogadores se valem da lógica, disciplina, psicologia, matemática e personalidade para se tornarem profissionais.
É estimado que 50 milhões de americanos jogam poker regularmente. Deixem-nos fazer isso online se quiserem. Imagino um país onde o poker online não é apenas legalizado mas onde suas estratégias são ensinadas nas universidades, onde os jogadores são considerados valiosos componentes da sociedade - fiz um grande cheque para o governo em 17 de abril, como fizeram muitos de meus colegas - e onde os jovens entendam que não estão destinados a abraçar algumas poucas e pré-selecionadas carreiras.

Para mim, é como tirar este tempo de apagão do online para terminar meu romance. Não sei se o que estou escrevendo é bom ou não mas, graças ao poker, estou fazendo o que gostaria de fazer. Não se trata disso o sonho americano?

Matt Matros é jogador de poker, escritor, autor de "The Making of a Poker Player", instrutor da Cardrunners, fez 9 mesas finais em grandes torneios internacionais (majors) e detentor de um bracelete da WSOP, também mantém seu blog em mattmatros.com.

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